27 setembro 2006

Machuca - 1ª parte

Ontem aconteceu algo que me machucou um pouco. Talvez seja lugar comum isso, mas está atravessado na minha garganta.

Após o almoço, fui ao Carrefour. Em um corredor, enquanto olhava uns pães ouvi me chamarem: “moço”. Era uma senhora. Antes de ver quem era, enquanto eu ainda me virava, ela começou a falar. Era um pedido. Não houve tempo para que ela terminasse a frase. Minha reação foi imediata, automática: “sinto muito, não posso”, algo assim. Ela ainda disse um “obrigado” meio constrangido e saiu. E aí eu entendi o que tinha acontecido. Alguém pediu minha ajuda e eu neguei rapidamente. Porque não tenho condições, ganho pouco, tenho dívidas, minhas contas não fecham no final do mês. E porque mais de uma vez já ajudei pedintes que claramente me enganaram (percebi depois). E a primeira vez que fui assaltado, a pessoa se aproximou pedindo ajuda. E porque vivo numa cidade violenta, num mundo violento, e já aprendi que não dá para marcar bobeira.

Não consegui voltar aos pães. Fiquei com aquilo na cabeça. Achei que tinha me tornado frio demais. Não fui ríspido nem rude, mas automático. E a senhora, a velhinha já tinha ido, mas seus olhinhos ainda me fitavam. Minha garganta brigou comigo. De repente me bateu outra vergonha: e se não fosse dinheiro? E se ela estivesse pedindo ajuda para pegar algo numa prateleira, ou procurasse saber em qual corredor estava o molho de tomete? E se fosse um trocadinho mesmo, eu precisaria tê-la dispensado tão rapidamente?

Notei-a em outro corredor. Levava um saco de feijão e um pacote de leite. Saquei a carteira. Tinha uma nota de dez e uma de dois. Caramba! Dez é muito, dois é pouco. Não dava para ter uma de cinco naquele momento? Tirei a nota de dois (só dois, que mesquinho!) e coloquei no bolso. Observei-a, tentei me aproximar. Queria ajudá-la agora, mas me bateu a dúvida mesmo, se era dinheiro que ela queria. Que besteira, era dinheiro, claro coitada. Mas agora havia gente por perto, ao contrário do momento em que ela me abordou. Não queria constrangê-la oferecendo dinheiro na frente dos outros. Travei. Não fui.

Segui para o caixa, paguei o pão. Parei na saída do mercado. Resolvi esperar ela sair. Pensando na situação meio absurda, me distraí e quase a perdi. Ela saiu, passos rápidos e curtos. No frio absurdo daquele dia, ela usava chinelo de dedo, sem meias. Uma saia comprida, a blusinha de lã fininha, de abotoar. O cabelo branco, aparência de sujo.

- Senhora!

Não ouviu. Segui-a, chamei novamente. Ela se virou, eu já estendi a mão com o dinheiro. Eu balbuciei alguma coisa do tipo “é o que eu posso”, meio sem jeito, baixinho. E ela, com seus olhinhos apertados, agradeceu imediatamente com palavras e um sorriso. E seguiu seu caminho.

Fui para o carro um pouco aliviado, sentido menos vergonha.

[ Abre a porta, senta, dá a partida. Segura o choro. É dela ou é de você mesmo que está sentindo pena? ]

Velhinha. Frágil. Com frio. Pobre.

Pensei em velhinhas que conheço. Não estava certo aquilo. Por que deixamos isso acontecer, por que temos velhinhas passando frio e pedindo um trocado para comprar comida? Por que deixamos velhos, adultos, jovens e crianças, de ambos os sexos, passando fome?

Ajudei pelo menos. Ajudei? Ou tentei expiar minha culpa?




Um comentário:

André Lasak disse...

Caralho! Chorei aqui...

Puta texto, meu amigo!

Parabéns!